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Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil

Carnaval 2020

Samba Enredo

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Autores: Claudio Russo, Chico Alves e Julio Alves

Intérprete: Tinga

Sou eu!
Índio, filho da mata
Dono do ouro e da prata
Que a Terra Mãe produziu
Sou eu!
Mais um Silva pau-de-arara
Sou barro marajoara
Me chamo Brasil
Aquele que desperta a Cunhatã
Pra ouvir Jaçanã sussurrar ao destino

O curumim, o piá e o mano
Que o vento minuano também chama de menino

Do Tapajós desemboquei no Velho Chico
Da Negra Xica, solo rico das Gerais
E desaguei em fevereiro
No meu Rio de Janeiro, terra de mil Carnavais

Ô viola! A sina de preto velho
É luta de quilombola, é pranto, é caridade
Ô fandango! Candango não perde a fé
Carrega filho e mulher pra erguer nova cidade

Quando a cacimba esvazia
Seca a água da moringa
Sertanejo em romaria
É mais forte que mandinga
Assim nasceu a Flor do Cerrado
Quando um cacique inspirado
Olhou pro futuro e mandou construir
Brasília, joia rara prometida
Que Nossa Senhora de Aparecida
Estenda seu manto pro povo seguir

Sou da Vila não tem jeito
Fazer samba é meu papel
Fiz do chão do Boulevard meu céu
“Paira no ar” o azul da beleza
Gigante pela própria natureza

Sinopse do Enredo

Abriram-se as margens do rio ao sol nascente,
que esverdeava ainda mais a mata e azulava o céu incandescente,
para desvendar uma lenda indígena
que falaria a um pequeno índio-menino sobre uma relíquia.
E com o menino começamos a caminhada…
Perto do rio, o curumim levantou-se cedo – a pesca o esperava!
Animado na alma com a vida na mata,
bebeu escondido aluá e fartou-se com a pupunha da sua mãe que sempre o alimentava.
Beijou-a e sozinho, fingindo ser o homem que ainda não era,
pulou em sua canoa sem destino
rumo à peripécia que, os grandes, espera.
Pelo rio, com riso nos lábios e vontade de alegria na pescaria e na jornada,
o curumim gritava alto às águas para espantar Boiúna, ou tudo, ou nada:

“Eu sou Brasil! Tenha medo de mim!
Aqui quem fala é um pequeno gigante
que já pesca com vontade danada de gente grande!”

A canoa em frente, a flecha armada,
curumim pescava e brincava baixinho para conseguir pegar a jatuarana sem espantá-la.
Com o sol forte da manhã, entretanto,
Brasil resolveu descansar do seu gracejo.
O pequeno deitou-se na canoa embalada pelo banzeiro
e adormeceu para sonhar o sonho dado ao miúdo bravo guerreiro…
A canoa, no mundo da fantasia, transformou-se em Jaçanã e partiu…
Levantou voo do rio e Brasil a tudo assistiu:

“Pequeno menino, quero lhe contar sobre a sua irmã tão mais nova que é quase filha!
Será forte e esperançosa, um ponto de luz no universo que nascerá em abril.
Sabe-se que ela terá muito a dar aos homens e mulheres de boa vontade na terra,
e que será grande, gigante, reta, moderna,
só podendo ser entendida se soubermos sobre sua pátria-família,
a verdadeira mãe e geradora da sua irmã nessa cantiga”.

A Jaçanã, montada pelo menino e com asas batendo forte,
foi primeiro para baixo cruzando serras no céu anil.
Mostrou ao pequeno Brasil um pampa aberto sob as estrelas, enorme!

Lá, irmãos brancos de cabeças amarelas montavam seres mágicos
e galopavam amarrando com laços outros bichos encantados.
Tomavam bebida quente em cuias e, Brasil, espantado, ouviu deles o recado:

“Mas o pranto, afinal, que essa cólera encerra
tomba: é a chuva que cai e que, o Paranoá, rega;
e a cada gota, ali, cada gérmen se apega
fecundando, a minar modernamente, toda a terra”.

Jaçanã levantou-se de novo voando para longe
dando adeus aos cabeças-amarelas que apontavam para outro fronte.
Brasil desconfiado não entendia o sonho: seria um delírio?
“Não, pequeno menino meu…” – disse Jaçanã. “É uma profecia!”.
Chegando em outro pedaço daquele mundão, Brasil viu irmãos orando e rodando
pedindo clemência pela dança a Deuses que o índio desconhecia.
O povo preto clamava igualdade e liberdade,
e na dor sofria
sem esquecer nunca a força ancestral que para sempre na resistência lhe caberia.
O povo preto um beijo deu na Jaçanã e ao Brasil declamou um pouco de crença
afinando a profecia:

“são duas asas unidas
de dois pajés construtores nascidas.
Talvez do mesmo arrebol,
vivendo toda a gente no mesmo chão arado e concretado,
da mesma gota de orvalho,
do mesmo raio de sol”.

O menino ainda não entendia… O que era essa tal profecia?
Jaçanã com pressa, pois sonhos têm prazo certo,
decolou e ali perto encontraram outro pedaço de terra
que misturava areia, água salgada e pedra.
A gente irmã suada do litoral também apontava para outro local
e embebida nas cantorias e Novas Bossas suas sinas,
misturando-as com palavras das Minas,
profetizou o futuro do seu passado para o menino:

“‘No princípio era o ermo
eram antigas solidões sem mágoa.
O altiplano, o infinito descampado
no princípio era o agreste:
o céu azul, a terra vermelho-pungente
e o verde triste do cerrado.
Eram antigas solidões banhadas
de mansos rios inocentes
por entre as matas recortadas.
Não havia ninguém. A solidão
mais parecia um povo inexistente
dizendo coisas sobre nada’.
Mas…
‘Para cantar, pelas Duas Asas, de amor tenros cuidados,
Tomem entre vós, do mineiro cacique, a vontade e o instrumento;
Ouvi pois, dos Candangos, o fúnebre lamento;
Se é que de compaixão sois animados’”…

Jaçanã enfim pronunciou:

“Está vendo, menino Brasil, o que essa gente toda conta?
Querem amor e união em uma nova casa pronta!
Modelada por dois pajés, realizada pelo cacique e feita por nobres sofredores Candangos,
com a ajuda e a idealização de tantos outros de agora e de outrora,
será o projeto moderno centro desse chão!
Nova pindorama de árvores retorcidas nascida porque filha dos filhos dessa terra em confraternização!”.

Voou então a ave para outro rincão
para mostrar uma família que tanto padecia
no sol lascado braseiro de testas, Vidas Secas e Severina!
Pés marcados no chão rachado e as mãos apertadas sem brecha,
todos da família oravam de joelhos pedindo esperança e bom agouro,
alguns dos futuros Candangos esses cabras-da-peste.
Quando viram Jaçanã e o menino Brasil, logo correram e apontaram para o Oeste:

“Ave Musa incandescente
do deserto do Sertão!
Forje, no Sol do meu Sangue,
o Trono do meu clarão:
cante as Pedras encantadas
e a Catedral Soterrada,
Castelo deste meu Chão!”.

E, rápida, para o longínquo Centro-Oeste,
onde outros Candangos de lá já aguardavam,
Jaçanã levou o pequeno Brasil.
Pousou no meio daquele cerrado e ela mesma, antes de sumir, sorriu:

“Brasil, no futuro essa profecia se revelará a um Padre-Santo
em outro sonho para se realizar em moderno Piloto Plano!
O que os cabeças-amarelas, os pretos,
os filhos do mar, das Minas e os futuros Candangos recitavam e apontavam
será aqui: sua irmã, o lugar de fé que unirá aquela gente, aquele povo todo,
para o mundo jorrando leite e mel com gosto…
A terra mística no alto desse Planalto
que se levantará tentando nos dar ‘sessenta’ anos em cinco de avanço sem percalço
com tanta gente junta que se esparramarão para além das Asas da casa,
deitando-se até em seu entorno
com as cores das suas culturas servindo de reboco!
Vem, menino Brasil, anime-se! Sua irmã Brasília será ave que voa e rodopia!”.

Deitou-se então no seu jazigo e, abrindo as duas asas,
Jaçanã ao chão se fundiu, o corpo inteiro tornando-se asfalto e magia.
Um pássaro que viraria casa para o Brasil, quem diria?!…
Daí a queda! A volta! Um clarão!
Uma marola sacudiu a canoa e acordou o bravo menino de supetão!
Brasil navegou ligeiro de volta não mais à toa
deixando as jatuaranas animadas na água boa.
Pé na margem, foi correndo contar para sua mãe o sonho da canoa!
“Mamãe, Mamãe! Sonhei com uma profecia!”.
A mãe no chão, sisuda de terra, ouvia…
Pediu calma ao menino, pois também tinha uma linda notícia,
e sorria:

“Filho meu, Brasil pequenino…
Descobri hoje com o xamã que você terá uma irmã!
Em sua homenagem se chamará Brasília!
Uma menina-Brasília que será gigante pela própria natureza!”.

Alma cheia d´água, o menino pressentiu:
sabia que cedo ou tarde sua irmã seria grande como aquele rio
e no futuro a filha da profecia!
Pensou na Jaçanã e feliz decidiu ir brincar:
quem sabe se o destino de todo mundo não é sempre para uma casa voltar?
Mas, se tudo isso é estória,
fato mais bonito (re)inventado do sonho de um curumim lendário talhado na memória,
a realidade é outra coisa…
Contudo, pede-se licença para imaginar contos de límpida felicidade no Carnaval
para nesses dias acalmar o sofrimento incessante do doloroso real.
Assim, Vila Isabel, canta essa Brasília irmã com o pequeno Brasil e sua Jaçanã,
a doce morada nos dada de encomenda
pelas bênçãos do céu azulado orvalhando o cerrado!
Bênçãos da Aparecida Nossa Senhora,
Padroeira dos filhos do Brasil e da nossa Brasília, desejosas de igualdade generosa!
Livrai-nos, Santa, da dor e do mal,
cravando nas retas da cidade as curvas do coração
desse povo bravo, heroico, sofrido,
estopim da chama da cidade candente de migração…
Ah, Brasília! Pois honrando tua inspiração
que caibam no teu seio muitos Brasis forjados pela oração!
Recebe-nos, Irmã, com lágrimas de misericórdia então
e cuida, enfim, dos gemidos da nação em oferenda,
pois na Sapucaí, só por hoje, saibam todos,
o resto tudo é tudo lenda…

Autores: Edson Pereira, Clark Mangabeira, Victor Marques
Texto e pesquisa: Clark Mangabeira e Victor Marques

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